INTRODUÇÃO AO MUNDO DA BÍBLIA
(uma colaboração do Padre Ataliba Scheider)
(Na primeira parte aprendemos: COMO LER A BÍBLIA)
2ª PARTE
1 – Deus se revela e age na história
Esta atuação de Deus dá-se na História, que se torna História da Salvação. Ela começa nos primórdios da humanidade, passa pela história do povo de Israel, o Povo de Deus, no Antigo Testamento, e atinge o seu ponto alto em Jesus Cristo, continuando nos dias de hoje, até o fim dos tempos. É o amor de Deus revelando-se na história humana. Esta História de Salvação consta do diálogo, por palavras e ações, entre Deus e a humanidade. Toda a vida humana é essencialmente diálogo de Deus com a humanidade. A Bíblia surge desse e nesse diálogo: o diálogo entre Deus e os homens.
2.Duas formas de Deus revelar-se, de falar conosco
Mas nós, homens e mulheres, por causa dos nossos pecados, embaralhamos as letras desse “livro”, organizamos o mundo de tal maneira, e criamos uma sociedade tão desvirtuada, que já não é mais possível perceber,, claramente, a Palavra de Deus que quer revelar-se dentro da vida que vivemos. Por isso, Deus escreveu um segundo livro: o LIVRO DA BÍBLIA.
O mundo é como um grande livro em que todos podemos aprender a descobrir o rosto de Deus que nele se revela. O contato com a Bíblia nos dá uma visão nova, renovada deste mundo. Ela serve para iluminar e, assim, descobrirmos a Palavra de Deus presente nos fatos e na história de nossa vida. Por isso, quem lê e estuda a Bíblia, mas não olha a realidade do povo de ontem e de hoje, é infiel à Palavra de Deus.
Deus nos entregou, pois, dois livros: a Vida e a Bíblia. Uma ajuda a compreender melhor a outra. A Bíblia lê a Vida e a Vida lê a Bíblia. Deve-se interpretar a Bíblia, olhando a realidade, e interpretar a realidade a partir da Bíblia. A vida é a estrada na qual viajamos. A Bíblia é o mapa rodoviário que nos dá uma visão melhor da estrada e de suas ligações com outros caminhos. Quando olhamos a vida com os nossos próprios olhos, é como olhar a estrada sem o mapa rodoviário. Como nossa visão é curta, e nossos olhos são pequenos, neles cabe pouca coisa. Só vemos um detalhe de cada vez: esta curva, aquela árvore, aquela casa na encosta da montanha, etc. Impossível entender o desenho da estrada e o seu percurso completo.
Quando olhamos a vida pelas páginas da Bíblia, vemos a vida pelos olhos de Deus. É como ver a estrada no mapa rodoviário. Então entendemos o começo, o meio e o fim, as vias preferenciais e os atalhos, os locais para abastecer o carro e o motorista. Através da Bíblia, Deus nos empresta seus olhos para que possamos entender melhor a estrada da nossa Dois fios são necessários para se acender uma lâmpada. Duas coisas são necessárias para que se acenda em nós a lâmpada da fé: Bíblia e Vida. A Palavra de Deus e a realidade da vida. O nosso maior defeito, hoje, não é a falta de reflexão sobre as coisas da fé, contidas na Palavra de Deus, mas sim a falta de conhecimento da realidade e a falta de reflexão sobre a realidade à luz da fé.
Interpretar a Bíblia sem olhar a realidade da vida pessoal e social, a realidade de ontem e de hoje, é o mesmo que manter a luz debaixo da mesa, o sal fora da comida, a semente fora da terra. A semente é para a terra, e a terra é para a semente. A PALAVRA de DEUS isolada da REALIDADE, separada da VIDA, torna-se palavra vazia, palavra morta. Deixaria de ser DIÁLOGO. Nada teria a dizer-nos para a nossa vida real. Por outra parte, a REALIDADE sem a PALAVRA reveladora de Deus, fica sem sentido. Não se pode separar a Bíblia da Vida e a Vida da Bíblia.
3 – Conceito de Bíblia
A palavra Bíblia provém da cidade de Bíblos, na Fenícia, costa oriental do Mediterrâneo, uma das mais antigas cidades do mundo, do século III a.C. Cidade portuária. Servia de intermediária no vasto comércio do Mediterrâneo.
Os gregos compravam, em Biblos, papiros egípcios, dando o nome de “biblion” ao produto que dali importavam: “as coisas vindas de Biblos” (= bíblia).
Com o tempo, o termo foi aplicado a qualquer livro escrito em papiro e, no começo do Cristianismo, o nome biblion foi reservado para o livro mais importante para os cristãos.
A palavra “testamento” significa um pacto, uma aliança firmada com testemunhas. Trata-se, portanto, da Aliança entre Deus e o Povo. Da antiga e nova Aliança. É a história do amor de Deus para com a humanidade.
5 – Conteúdo da Bíblia
No AT encontramos: a criação do mundo, os grandes homens de fé, escolhidos por Deus: Noé, Abraão, Isaac, Jacó e José, Moisés e Josué, pessoas que sempre foram fiéis a Deus, atendendo aos chamados que Ele lhes fazia. Nele encontramos, ainda, os Profetas que anunciavam a chegada do Messias-Jesus, e que convocavam o Povo para a conversão e a fidelidade a Javé. Os maiores profetas foram: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Podemos resumir o AT, dizendo que Deus escolhe um povo e o prepara para receber o Salvador. Todo o AT é uma preparação para a vinda de Jesus Cristo.
Há pessoas que pensam que os acontecimentos mais importantes do AT são: Adão e Eva, Caim e Abel, o Dilúvio, a Torre de Babel, etc. Não podemos perder-nos na periferia. É preciso ir ao cerne, ao principal. E o principal é que Deus prometeu salvar a humanidade do pecado e de suas conseqüências e, para isso, escolheu um Povo entre todos os povos da Terra, fez uma Aliança de amizade com esse Povo e o foi preparando para a chegada do Salvador.
O AT é a história do Povo de Israel. Um povo nem melhor nem pior que os demais povos, porém eleito por Deus para que nele nascesse Jesus Cristo. É a história de um povo que muitas vezes abandonou o Senhor, traindo a Aliança feita com Ele, e a quem o Senhor sempre perdoava e continuava guiando.
Todo o AT conta a história desse povo judeu, escolhido por Deus para trazer a Salvação ao mundo. Os diversos livros do AT tratam de temas distintos, como: a formação do Povo de Israel, suas leis, suas tradições, a história de sua independência e, acima de tudo, a Aliança, ou pacto de amizade que Deus fez como esse povo. No plano de Deus tudo isso tinha uma finalidade: preparar a Encarnação, a vinda ao mundo, do Filho de Deus, JESUS CRISTO.
O NT, através dos quatro Evangelhos que são o coração de toda a Bíblia, mostra a vida de Jesus, desde a sua Encarnação, seu nascimento, até a sua Ascensão ao Céu, o seu retorno para o Pai. Mostra como viviam os primeiros cristãos, em Atos dos Apóstolos. Relata o surgimento e a expansão da Igreja, particularmente nas Cartas do apóstolo São Paulo. O último livro é o Apocalipse. JESUS e o REINO de Deus são a mensagem mais importante do NT.
A Bíblia é como um álbum de fotografias. Nela tem de tudo. Na Bíblia encontramos os mais variados assuntos: doutrina, ensinamentos, instruções, histórias, provérbios, profecias, cânticos, orações, lamentações, cartas, sermões, meditações, biografias, poesias, parábolas, conselhos, genealogias, teologia, filosofia, romance, alegorias, contratos, alianças, culto...; coisas alegres e tristes; fatos concretos e narrações simbólicas; coisas do passado, do presente e do futuro. Na Bíblia há passagens que querem anunciar, comunicar esperança, coragem e amor; e há trechos que querem denunciar erros, desvios, pecados, opressões, injustiças; criticar abusos e apontar rumos.
6 – DEUS, principal conteúdo da Bíblia
De fato, um ateu pode ler ou estudar a Bíblia sob muitos aspectos, mas ele jamais dirá que ela contém a Palavra de Deus. Um estudioso de coisas antigas pode manusear a Bíblia, compará-la com outros escritos antigos, e não estar interessado na Palavra de Deus. Esta certamente lhe passará despercebida.
Nós mesmos, quando apenas lemos as belas e tocantes histórias bíblicas, não procurando nelas a Palavra de Deus, muito provavelmente não a ouviremos. Certamente não encontraremos, também, a Palavra de Deus quando lemos a Bíblia para usá-la em favor de nossos argumentos. Não estaremos ouvindo a Palavra de Deus quando fazemos Deus falar as nossas idéias. Estaremos fazendo, então, uma leitura fundamentalista, subjetiva, manipuladora da Bíblia.
Quando a Igreja diz que as Sagradas Escrituras contêm a Palavra de Deus, precisamos fazer um esforço consciente para concentrar-nos no conteúdo da Bíblia. Só assim teremos a alegria de perceber e experienciar a Palavra de Deus. Esta nos apresenta como grande conteúdo o próprio DEUS.
7 – A Bíblia, antes de ser escrita, foi vivida e contada oralmente
Essas experiências recebem uma interpretação à luz da fé. E o Povo reconhece em determinados acontecimentos a intervenção do seu Deus, o Deus Salvador. O acontecimento fundante é o Êxodo, e sobre ele é feita uma reflexão teológica.
Assim, por exemplo, no século XIII a.C., um grupo do povo de Israel está escravo no Egito. Surge um líder, Moisés, que conduz este grupo para fora do Egito, atravessando o deserto, numa longa peregrinação rumo à Terra Prometida. Aquele grupo de pessoas experimenta a força salvadora e libertadora de Deus, e passa esta experiência a todo o Povo de Deus. Aquele acontecimento do Êxodo, e a sua interpretação teológica, são guardados na memória do Povo, e transmitidos boca-a-boca, oralmente, de geração em geração. O Espírito Santo já atuava então, orientando a História, orientando a sua interpretação, e garantindo a fidelidade no relato.
O tempo passa. Estamos no século XI a.C. É o período dos JUÍZES (1200-1020). A vida das 12 tribos de Israel, até o início da Monarquia. Tempo cheio de dificuldades. Conflito entre a fidelidade a Javé e o culto aos ídolos. Ruptura da Aliança, quebra da consciência histórica. Os Juízes eram os “governadores” das tribos, chefes carismáticos. Era cargo vitalício.
O Povo de Deus, já estando na Terra Prometida, continuava conquistando esta terra, ainda não tinha a sua posse total. Nesta conquista faz novas experiências da presença e intervenção de Deus em seu favor.
Olhando para o passado, o povo de Israel vai aprofundando a compreensão de tudo aquilo que já viveu. Faz o que nós hoje chamamos de releitura dos acontecimentos do Êxodo, da libertação da escravidão do Egito, à luz de suas novas experiências de fé. E o Espírito Santo se faz presente, não só orientando a história e garantindo a fidelidade no relato, mas, também, orientando esta releitura dos acontecimentos. Tudo isso é juntado ao patrimônio de fé do Povo de Deus, e repassado às novas gerações.
8 – A Bíblia, depois de contada oralmente, começa a ser escrita
A Bíblia é, pois, um livro de confissões de homens e mulheres do passado, que tiveram uma experiência viva de Deus. A Bíblia é o testemunho de uma experiência. E da intensidade dessa experiência, brotaram as palavras que constituem o texto da Bíblia.
Ela é um livro de testemunhos. Suas palavras apontam para uma experiência vivida, e nos convidam para irmos além do texto, para onde o texto aponta, para o seu real significado.
Padre Ataliba Scheider
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